ainda sobre o estupro: quando a violência está dentro de casa

Quem me lê há mais tempo (essas 30 pessoas que entram todo dia aqui, rs) sabe que este não é um blog sobre feminismo, assim como ele não é um blog sobre culinária, nem um blog literário, nem um blog de imagens, nem de música, sei lá. Eu posto aqui as coisas que eu estou afim e ponto.

Ontem eu resolvi falar de estupro, uma questão que estava (ainda está) entalada na garganta há tempos. E acabou que ele teve muita repercussão, muito mais do que esse pequeno blog jamais sonhou em ter. Não quero mudar o tema do blog (ou seja, quero continuar a não ter tema), mas um dos comentários do post anterior me preocupou muito e a resposta que escrevi pra ele ficou tão grande que achei que valia a pena transforma-lo em um post…

Bom, o comentário foi o seguinte (fiz alguns destaques no texto, para facilitar a leitura):

nem sei o que comentar, a vida de uma mulher é tão difícil, tão sem voz. Eu sou totalmente contra feministas que ficam defendendo as suas causas banais só pq pensam que o simples fato de terem nascido mulher as faz especiais e com mais direitos q qualquer outro ser humano. tipo, elas querem ser tratadas como iguais, mas na hora de pagar a conta do restaurante, elas são damas e acham q é obrigação do homem. se somos iguais e se queremos respeito deveriamos começar pagando a nossa conta ou abrindo a porta do carro com a propria mão. nao gosto de mulherzinha q pensa q ta num roteiro de filme ou num conto de fadas. feminismo é banal.

mas ai vir falar esses absurdos de q praticamente as mulheres merecem ser estupradas pq ficam dando sopa é demais. este estupro declarado é nojento, mas ainda existe um estupro tao nojento quando e que as vezes, sei la por que razão, nós mulheres nos sentimos obrigadas a permitir. tipo quando o seu marido quer sexo e nao entende que vc nao está afim, mas vc acaba deixando pq isso é mais facil e menos doloroso do que aguentar a briga que viria por negar sexo. minha mae fez isso por anos, fez sexo com meu pai sem vontade so pra nao deixar a biga se estender. depois casei, e nao tem sido muito diferente

pra mim so o fato de um homem nao entender que o desejo sexual da mulher pode ser menor do q o dele ja é por demais nojento. eu acho q existem pessoas que naturalmente nao gostam de sexo, mas o foda é aguentar alguem tentando te convencer de q se vc nao gosta de sexo vc deve ter alguma anomalia ou ser doente ou ser louca. eu queria ter o simples direito de nao gostar de sexo, pena q eu nao sabia disso antes de casar, senao nao teria casado

sexo é alguma coisa que as pessoas fazem JUNTAS, não algo que você faz EM outra pessoa

Aqui vai a minha resposta:

Querida leitora, não concordo com algumas coisas que você falou, rs.

Mas vamos por partes, porque você levantou algumas questões sérias…

Feminismo x Machismo

O que você falou que é “feminismo” não é feminismo de forma alguma! Obrigar o homem a pagar a conta do restaurante e abrir a porta do carro, por exemplo, nada mais é do que MACHISMO, não é preciso ser homem para ser machista (como se a mulher não pudesse/conseguisse ganhar dinheiro para pagar o próprio jantar, ou não soubesse abrir uma porta, né?).

Mas quando isso é feito de vez em quando, não como obrigação, vejo o gesto como uma GENTILEZA. Que pode e deve ser retribuída. Eu posso sair com um cara e querer pagar a conta toda um dia, por que não? Da próxima vez ele paga. Ou não, sei lá, essa é uma questão do casal, da situação econômica deles, enfim.

Violência sexual doméstica

O estupro feito pelo MARIDO é estupro igual. Eu vejo o estupro como qualquer forçação de barra em direção ao sexo. Quando o parceiro não acata o “não” e vai sem o consentimento do outro, é uma violência, não é? Essa prática devia ser denunciada – mas pra quem? Será que o delegado de polícia vai entender isso como estupro se não houver violência no ato? Talvez em uma delegacia de mulheres eles estejam mais preparados para este tipo de relato…

Ainda que não concorde com a sua generalização (existe muita mulher que AMA sexo, assim como existem caras que não veem isso como tão importante assim na própria vida), acho que você contou uma coisa muito séria.

Olha, não te conheço e não sei como é a situação de sua casa, como são suas experiências sexuais e não sou uma especialista em nada, mas se você sempre se sente forçada a fazer sexo, mesmo que não seja uma coação violenta, se você sente que tem que ceder, você precisa rever essa sua situação! Eu sei que é complicado, mas tente conversar com o seu marido sobre o assunto e, em última instância, se ele não te compreender, se o sexo continuar sendo uma coisa ruim pra você, SAIA DESSA! Sexo tem que ser prazeroso!

Ainda que existam pessoas que realmente não gostem de sexo, existe de tudo no mundo, do mínimo ao máximo, mas acho muito mais provável que você não curta fazer sexo “com o seu marido atual” do que gostar de sexo como um todo. Pode ser que ele não te dê tesão, pode ser que ele seja ruim de cama, pode ser que você tenha uma questão não resolvida aí…  Procure ver a situação de frente. Minha recomendação é que você procure um psicólogo para te ajudar a se entender, entender a relação que você vive, a entender onde está o sexo na sua vida. Psicólogo não é médico pra gente maluca, eles são profissionais que nos ajudam a desvendar a nós mesmo (as vezes a gente não consegue sozinha e isso não é um problema!).

Não é o papel da mulher “ceder” ao homem. Uma relação tem que ser isso: uma relação, uma troca. Se você se sente forçada, há algo errado!

Não sou consultora amorosa nem psicóloga, mas dei um conselho que eu daria a uma amiga minha. Espero que ajude…

Gostaria de recomendar a série Millenium, do escritor sueco Stieg Larsson. É uma série de três livros que tem como tema principal a violência contra a mulher.

[ Vale lembrar que a legislação sueca entende que estupro é qualquer, QUALQUER, forma de relação sexual não-consensual. Desde um cara que transou sem camisinha quando a mulher pediu pra ele usar até uma relação sexual com uma arma na cabeça da vítima ]

Os livros já foram adaptados para o cinema na Suécia e o primeiro vai chegar às telonas de todo o mundo ainda este ano em uma adaptação de Hollywood dirigida por David Fincher (que também dirigiu Clube da Luta, A Rede Social e O Curioso Caso de Benjamin Button).

Ainda não sabe qual é? Talvez se eu disser que a protagonista tem uma tatuagem de dragão… rs

Os livros são uma série policial que é muito tensa e divertida de ler! E além de serem realmente muito bons, discutem estupro, violência psicológica contra a mulher, tráfico de mulheres, prostituição forçada… Enfim, um caldeirão de violências que o sexo feminino sofre (ainda!) neste mundo.

Anote aí pra procurar na biblioteca/comprar na livraria/pedir emprestado/comprar no kindle, ipad, whatever: Os Homens que Não Amavam as Mulheres, A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar.

10 comentários em “ainda sobre o estupro: quando a violência está dentro de casa”

    1. Não é tão simples assim. E é uma situação terrível!
      Ela disse “sim”, mas queria dizer “não”. Quantas vezes será que ela disse “não” e causou uma briga em casa, discussão, o marido tentando persuadir, até decidir que era mais fácil ceder do que se impor?

  1. Eu consigo entender essas mulheres que estão em relacionamentos que só fazem mal. Mas eu não consigo entender porque elas, sabendo o quão mal faz, sabendo que não são obrigadas, sabendo que tem saídas, permanecem do mesmo jeito.

    É triste, é foda viver uma vida assim por tanto tempo. Mesmo que o marido não esteja a violentando a base de socos e porradas, mas ele a violenta psicologicamente. Ela se sente obrigada a transar, e ele – pelo visto – não faz nada a respeito. Ele não percebe que ela não gosta? Ou ela finge o tempo todo, fingindo que gosta, fingindo que quer, fingindo que está tudo bem? De qualquer modo, que bem faz um relacionamento desses? Que ela finge e ele não percebe? Ou que ela não finja e ele a força do mesmo jeito?

    Eu li essa série Millennium… nunca vi o filme. A trilogia é ótima (às vezes acho que tem muito detalhe desnecessário, como a cena que Lisbeth compra coisas para a nova casa. Tem praticamente o extrato do cartão todinho, até os centavos!), mas é ótima. Retrata bem a violência contra as mulheres de diversos ângulos, e como ela se relaciona com criminalidade e outros problemas sociais.

    Lembro sempre da frase mais verdadeira quando o jornalista diz algo como “ele é um assassinato, um fdp”, algo assim. E Lisbeth diz: “ele não é só um assassino. Ele é um desgraçado que odeia mulheres”. Isso resume bem o nome do primeiro livro: “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”. Porque é por isso que esses crimes acontecem: mulheres não são amadas por não serem consideradas pessoas, e sim objetos sexuais destinados a satisfazerem sexualmente, domesticamente e todos os outros “mentes”.

  2. Não acho simples apontar o dedo para alguém e dizer: você está em um relacionamento que te faz mal e não sai dele; você é idiota? (Também não estou dizendo que isso foi dito aqui, mas é algo que eu já ouvi várias vezes). A coisa é muito mais complicada que isso — usando uma expressão “duvidosa”, “o buraco é mais embaixo”. Por isso mesmo, reitero o conselho da Lívia: se você se encontra em situação semelhante, procure um psicólogo. Eu comecei recentemente uma terapia e uma das pautas com certeza mais discutidas nesse processo será o meu primeiro namoro, que durou três anos — três anos de abusos psicológicos, os quais eu só fui realmente “identificar” bem pro final do relacionamento. E foi também só pro final do relacionamento que eu comecei a me julgar merecedora de algo melhor.

    Essa situação é muito mais frequente que pensamos…

    Tinha estranhado o fato de você não ter comentado esse comentário no outro post, Li! hehe!

    No mais, também concordo que algumas coisas não são machismos, mas gentilezas, dependendo da situação. Meu namorado gostava de pagar a conta para mim, mas quando ele estava sem grana, ou já tinha pago muitas coisas, eu pagava pra nós dois numa boa. Da mesma forma que ele sempre abria a porta do carro para eu entrar antes; são gestos carinhosos, atenciosos. Cada caso é um caso, não dá pra generalizar…

  3. Eu li em algum lugar definições que achei bacanas!

    Feminismo = direitos iguais para homens e mulheres;

    Machismo = direitos a mais para homens;

    Logo, não são conceitos antagônicos. O contrário de machismo seria o “femismo”, direitos a mais para mulheres. Como duas faces da mesma moeda, as atitudes femistas são chamadas de machistas. Afinal, tudo parte de uma definição rígida de gêneros, “o que é coisa de homem” e “o que é coisa de mulher”.

  4. Eu fiquei fora das consultas on-line por um tempo mas vejo que o tema continuou o mesmo, o que é interessante. Que tenha sido por mais um “post” apenas. Embora o comentário de crítica às rotuladas feministas não tenha sido muito bem desenvolvido, pelo menos tocou no ponto da incongruência de algumas posturas feministas. Por exemplo, feministas reclamam das exigências de comportamento impostas sobre as mulheres, incluindo porém não restritas, a modo de falar, vestir-se, comportar-se e até os “odores” que são permitidos… Tudo bem ficarem insatisfeitas, e se eu fosse mulher não gostaria disso, mas se o não cumprimento não enseja em punição, então pq tanta revolta ? Eu vejo mulheres vivendo por outros padrões fora da cartilha, se é que há alguma hoje, e tudo bem. Talvez haja alguma revolta em ver que mulheres aderem a certos padrões, e como a vida delas pode funcionar melhor por causa disso. Enfim, parece algo como: “eu não quero poder cheirar suor e que todas também cheirem que isso não seja um fator de diferenciação”. Não vejo utilidade nisso.

    A postagem dá a entender que somente homens criam situações de constrangimento que obrigam ao sexo. Ledo engano ! Já ouvi cada história a respeito, mas imagino que isso não te interesse….

    1. HItzendegen, quando eu falo sobre a violência contra mulher, não estou negando que haja uma “forçação de barra” por parte das mulheres, eu simplesmente não estou falando sobre ela.
      E os homens (não todos, mas alguns sim, e talvez mais do que a gente pensa) “criam situações de constrangimento que obrigam ao sexo”, sim. Se algumas mulheres também fazem isso, é assunto pra outro post. Que não vai ser escrito por mim, eu acho.

  5. Pingback: Sobre Luizas e Nascimentos | Estamos em Obras

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