Direita ou esquerda? O trânsito na Birmânia é pra lá de confuso

“Yangon… É como dirigir em um jardim’, definiu um português que mora no Mianmar há 16 anos.

 

A cidade atuou como capital do país até 2006, quando foi substituída por Naypyidaw, mas suas avenidas amplas, bem pavimentadas e arborizadas não dão a dica de que esta é a maior cidade birmanesa, com 4.5 milhões de habitantes. Os carros são pra lá de vintage – a maioria foi fabricada na década de 70 -, mas bem cuidados no geral. Os semáforos são geralmente respeitados e a falta de faixas de pedestres é compensada pelas passarelas nos cruzamentos com mais tráfego. As ruas cheiram a frangipani (jasmim manga) e outras flores perfumadas que fazem parte da flora e da vida asiática. Mas falta alguma coisa. Há um silêncio no ar. Percebo de repente: ninguém buzina! É proibido. E onde estão as motocicletas? Banidas nos municípios de Yangon e Naypyidaw.

A falta que as motos fazem em Yangon é compensada pela enxurrada delas em todas as outras cidades que visitei. Mandalay, a segunda maior cidade do Mianmar, fervilha com o caos de bicicletas, carros, ônibus, tratores, trishaws (uma bicicleta com um “sidecar” para levar passageiros e carga), caminhonetes e motocicletas, muitas motocicletas. Afinal, os 65% de motos da frota de 1.045.105 veículos do país (dados de 2008) tem que estar em algum lugar.

 

Nas ruas nem sempre bem pavimentadas – quando pavimentadas – de Mandalay (um retrato mais apurado do trânsito na maioria do Mianmar) prevalece a lei do mais atrevido: os cruzamentos não têm preferência clara e buzina mais alto e por mais tempo.

 

Os carros conduzem por lei do lado direito, mas o motorista não necessariamente está sentado do lado esquerdo do carro.

 

Como todas as ex-colônias britânicas, o Mianmar começou o século XX dirigindo na mão inglesa, mas, em algum momento da década de 1970, o ditador Ne Win mudou a direção do trânsito para mão francesa sob os conselhos de um astrólogo. Os carros importados antes desta data não se adaptaram, é claro, e hoje o trânsito é um samba do criolo doido onde não se sabe quem é o motorista no banco da frente ou de que lado sairão os passageiros do ônibus coletivos.

 

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30% das mortes no trânsito são de pedestres, 48% são motoristas e passageiros de veículos de 4 rodas, 12% são ciclistas e apenas 10% são motociclistas. Não existem leis que obriguem o uso e sequer a instalação de cinto de segurança nos veículos. Já o uso de capacete é seguido por 60% dos motociclistas – ainda que eu tenha visto uma mulher usa-lo solto, sobre o penteado e os óculos de sol.  Mesmo com uma das menores frotas do sudeste asiático, o Mianmar está em segundo lugar em acidentes fatais de trânsito em proporção à população: 23,4 óbitos a cada 100.000 habitantes, segundo relatório da OMS.

 

Infelizmente, os dados consolidados sobre transporte no Mianmar datam de 2008 – 4 anos* é muito tempo para um país que recebe imensas somas de investimento por parte da China, Tailândia e, em menor proporção, Índia. O país cresce em ritmo acelerado em busca do “progresso” – muitas vezes refletido na compra de motocicletas chinesas que devem aumentar as estatísticas de acidentes fatais.

 

Nas cidades menores, as motos comandam o trânsito ao lado de um meio de transporte já meio esquecido na maioria das cidades brasileiras: a charrete. Os veículos puxados à cavalo e boi não são só para servir de atração turística. Eles têm a vantagem de atolar menos nas ruas e estradas de terra e não precisam de outro combustível além de água e pasto.

 

O preço da gasolina no Mianmar flutua entre 3 mil kyats por litro (aproximadamente US$3,75) em postos de gasolina de marca multinacional e mil kyats (US$1,25) por garrafa de plástico em uma banquinha na beira da estrada. Em 2007, a “revolução açafrão”, contra o governo ditatorial no poder há 45 anos, teve seu estopim quando os generais sobraram o preço da gasolina da noite para o dia. Isso porque o Mianmar possui petróleo e gás natural em abundância.

 

Andar pelas ruas das cidades à noite só é aconselhável se você tiver uma lanterna de mão. As ruas são seguras, mas cortes de energia apagam bairros inteiros de cada vez especialmente na estação da seca, de novembro a abril. O gás natural não é utilizado no fornecimento de energia do próprio país e as hidroelétricas combinadas com infraestrutura capenga não dão conta da demanda – que só cresce.

 

Graças a investimentos chineses e prioridades governamentais, as estradas no Mianmar são, em sua maioria, perfeitamente asfaltadas. Elas integram um sistema de transporte intermunicipal que é composto também por ferrovias (que já viram dias muito melhores), aeroportos em quase todas as cidades turísticas e rios navegáveis – a maior extensão deles na região.

 

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Tudo o que vi no Mianmar está prestes a mudar.*

 

A abertura “lenta e gradual” para a democracia começou em 2008 e as primeiras eleições consideradas democráticas e justas foram este ano, em Abril (para 45 das 662 cadeiras do parlamento, mas é um começo).

 

União Europeia, Estados Unidos e Japão estão cheios de investidores loucos para que seus países suspendam as sanções econômicas levantadas em protesto às violações de direitos humanos da ditadura que dominava o país. Eles querem suprir a imensa demanda que o país tem por infraestrutura e atender um mercado consumidor praticamente inexplorado nos últimos 48 anos e concorrer com as iniciativas chinesas (hoje onipresentes em todos os cantos) no território.

 

Com o fim das barreiras econômicas internacionais, as vidas agrárias da bacia do rio Irrawaddy e das montanhas que a cercam verão grandes mudanças. Em 5 anos, será que carros de boi e charretes continuarão transportando pessoas e mercadorias pela região de Bagan? Tratores com seus motores descobertos e barulho ensurdecedor circularão pelas ruas caóticas de Mandalay? As motocicletas voltarão a ocupar as ruas de Yangon? O “progresso” está chegando.

 

*Este texto foi escrito em 2012 para a Revista Autoesporte e publicado com cortes na edição de setembro – link aqui Hoje o trânsito na Birmânia já é bastante diferente, assim como os hábitos e marcas presentes no cotidiano do país.*

 

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