A península de Yucatán, no México, é um pedaço enigmático do planeta Terra. Sua localização geográfica já chama a atenção logo de início: é banhada pelo Caribe de um lado e pelo Golfo do México do outro. A leste, está a chamada Riviera Maia, com longas praias de areia branca e mar calmo, águas cristalinas bastante azuis, lar de vida marinha intensa. A oeste, no Golfo, as águas são menos belas, mas abaixo delas estão grandes bolsões de petróleo, que garantem riqueza à região para além da exploração do turismo.
Terra adentro, Yucatán possui uma ampla rede de rios subterrâneos que, de vez em quando, se abrem em belos poços de água doce e transparente, chamados de cenotes. A sul, próximo à fronteira com Belize, imensas lagoas de água doce refletem sete (ou mais, bem mais) tons de azul rodeadas de manguezais e cabanas rústicas que podem ser alugadas por temporada.
Falando de cultura, centenas de anos antes da invasão espanhola a região já era habitada por povos maias que construíram pirâmides espetaculares e desenvolveram uma civilização bastante complexa, com incríveis avanços tecnológicos que até hoje intrigam cientistas. Traços dessa cultura persistem até hoje nos povoados de maioria indígena, nas línguas nativas, no sotaque dos falantes de espanhol e na rica gastronomia regional, de sabor inconfundível.
Para completar a mitologia de Yucatán, foi a noroeste da península que, há milhares de anos, caiu o meteoro que (teoricamente) matou os dinossauros. Ufa, tá bom ou quer mais?
Um cenote grande de águas doces e refrescantes que fica perto de Tulum
Entre todas as possibilidades turísticas da região, infelizmente pouca gente vai além das praias paradisíacas e das piscinas naturais de água doce. E olhe lá.
Em Cancún, principal destino turístico do México inteiro, a natureza foi depilada, maquiada, embalada e preparada para consumo rápido e indolor nos mega resorts all inclusive, parques aquáticos e excursões massificadas que “protegem” os visitantes das idiossincrasias desse pedaço interessantíssimo do planeta.
Resort all inclusive significa que você vai fazer check-in e não precisar preocupar-se com mais nada. Nem com as suas próprias preferências.
Está tudo incluído: excursões (para passeios lotados que todos os turistas vão ao mesmo tempo), refeições (provavelmente ruins, feitas em grande quantidade e sem muita preocupação, afinal você já está obrigado a comer o que eles servem lá) e bebidas e mais bebidas – para quê beber tanto à beira da praia? De quantos drinks você precisa para aproveitar um pedaço do paraíso? O paraíso ainda é o Paraíso se você estiver de ressaca?
Há excessões, mas o preço cobrado por esses resorts não vale a pena se formos comparar com hospedar-se em um lugar mais simples (também à beira da praia, é claro), próximo a várias opções de restaurantes, agências de viagem que oferecem uma diversidade de passeios e a oportunidade de conhecer pessoas do local que vivem ali. No final das contas, escolher uma pousada administrada pelos próprios donos com amor e ir atrás da própria comida, bebida e passeios, vai custar o mesmo ou ser mais barato do que pendurar o cérebro num cabide ao fazer ceck-in e só lembrar de busca-lo na hora do check-out.
Vale lembrar que este é um blog para viajantes independentes, para quem gosta de ir atrás da própria viagem, de ter liberdade para escolher o que quer visitar, de buscar experiências autênticas que possibilitam conhecer a cultura e as particularidades de cada lugar
Era para a praia em Cancún ser assim, com algas acumuladas na areia em determinadas épocas do ano. Mas está tudo limpinho lá (e encolhendo por causa disso)
Cancún como ela é
Ao chegar no aeroporto, os resorts já têm serviço de shuttle que te leva direto até o lobby onde se faz o check-in (de preferência com um drink de boas-vindas já nas mãos). Mas se você prestar atenção à paisagem do caminho, vai perceber que a orla está quase que completamente tampada por edifícios enormes (os resorts) com suas praias particulares. Os habitantes de Cancún não têm direito à praia (a privatização da natureza é um problema sério no México, ainda bem que no Brasil não podem existir praias particulares). Os habitantes de Cancún sequer vêem a maior parte praia, só o pequeno trecho de praia pública num dos cantos mais feios (que ainda sim é lindo). Os moradores de Cancún vão à praia geralmente para trabalhar em um dos resorts e spas da orla – a cidade é uma das maiores empregadoras do México e por isso muita gente vai pra lá tentar ganhar a vida no setor hoteleiro. Mas existem jeitos e jeitos de investir no setor hoteleiro.
Até as areias de Cancún são puramente cenográficas, pois os hotéis tiram as algas (feias, fedorentas, porém importantes) que se acumulam em suas praias particulares durante alguns meses do ano e, com isso, impedem o processo natural de contração e expansão da orla. Os donos dos empreendimentos perceberam, tarde demais, que a faixa de areia encolhia a níveis alarmantes por causa disso e mandam trazer areia extra de outros lugares do país. Esses hoteis fazem de tudo para manter seu negócio ativo dando o máximo de lucro possível. Azar das próximas gerações, que não poderão ver essas belezas pois estará tudo destruído.
O governo? Pouco faz para impedir isso, pois ali manda quem tem mais dinheiro.
Este não é um post contra a hotelaria de luxo. Mas é contra esse sistema hoteleiro que segrega, polui, pasteuriza, estimula o consumo exacerbado. Você, com seu welcome drink, é um patrocinador dessa indústria.
Há quem diga que é melhor concentrar em Cancún tudo que há de ruim em termos de turismo, para que ele não se derrame por outras praias paradisíacas da Riviera Maia (e já está derramando). No meu entendimento, não é assim que deveria ser. Esses negócios predatórios deveriam ser regulados com mais rigor, forçados a investir uma parte de seu polpudo lucro no restauro e manutenção da natureza como ela era, para que siga magnífica por gerações sem fim.
Infelizmente, quem faz as leis são gente muito mais poderosa, de mente pequena e sem amor nenhum pelo planeta Terra, então Cancún só cresce e expande, os resorts isolam praias belíssimas apenas para quem pode pagar e vendem um México insosso para estrangeiros que buscam escapar da realidade, que passam a maior parte do tempo bêbados de coquetéis cujo preço está incluído na tarifa (ainda bem que o mar é raso e não apresenta perigo de afogamento), empanturrados de comida que nada tem a ver com a profusão de sabores da gastronomia mexicana e isolados da rica cultura yucateca. Procure um negro ou um indígena nesses resorts (que não esteja trabalhando). Vai ser como brincar de Onde Está Wally.
Para baratear a viagem, que tal fazer uma mini guacamole na beira da praia? Basta comprar abacate, limão, sal e totopos (triângulos de tortilla, os Doritos originais, só que mais saudáveis e baratos) no supermercado antes de ir para a praia! Lembre-se de lavar a mão depois de usar o limão para não queimar sua pele #DicadaTiaLívia
Motivos para ir à Península de Yucatán (fora de Cancún)
Se você, como eu, acha que esses resorts ultraprotetores são a reprodução na Terra de um dos círculos do Inferno, ainda há motivos para aproveitar a próxima promoção de passagens para Cancún (sempre tem uma, fique de olho!).
A península de Yucatán é muito mais do que Cancún e as atrações que são vendidas nos pacotes de viagem. Ela está dividida entre os estados de Yucatán, a norte, na pontinha do Golfo, Campeche, dentro do Golfo (menos turístico), e Quintana Roo, banhado pelo Caribe, onde está Cancún e a Riviera Maia.
Ao chegar no aeroporto, pegue o shuttle para a rodoviária e, de lá, alugue um carro ou compre uma passagem de ônibus para outra das diversas praias maravilhosas da Riviera Maia, para a profusão cultural que é Mérida, a capital do estado de Yucatán ou para a paradisíaca Isla Holbox, uma ilha que é reserva ecológica (e por isso ainda preservada) a norte da península.
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Não aconselho alugar o carro direto no aeroporto pois é muito comum que policiais corruptos estejam à espreita no caminho até a cidade de Cancún, prontos para pedir propina fácil aos recém-chegados e desinformados, sob qualquer pretexto. Alugando o carro lá na cidade mesmo, as chances de ser parado por um policial mal-intencionado são menores.
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Tulum e Playa del Carmen
Se você e seus companheiros de viagem quiserem mesmo ficar em um resort, por todas as facilidades que eles apresentam, minha sugestão é hospedar-se em Tulum.
Localizada no meio da Riviera Maia, é fácil acessar diversos dos pontos turísticos da região partindo dessa cidade, como as ruínas maias de Tulum (que ficam à beira-mar), cenotes grandes e pequenos e Akumal, a praia das tartarugas.
Ruínas de Tulum, as únicas ruínas maias que ficam à beira da praia! Não tem pirâmides, mas são muitas construções e o cenário é inacreditável de tão lindo
O centro de Tulum fica meio afastado da praia (tem boa oferta de hostels baratos e ótimos restaurantes de comida típica yucateca, mas é preciso pegar um coletivo ou uma bicicleta para chegar até o mar). Na praia, afastados do burburinho, há diversos resorts (alguns deles all inclusive) com pegada ecológica/zen e ares de pousadinha charmosa.
Caldo Azteca do restaurante El Aguacate: caldo apimentado de frango com grão de bico, cenoura, vagem e abacate
Playa del Carmen é outro destino bem comum na Riviera Maia. Localizada entre Cancún e Tulum, é fácil acessar as mesmas atrações turísticas que Tulum (cenotes, ruínas e Akumal). Mas enquanto Tulum pode se comparar à calma de Trancoso, na Bahia, Playa é definitivamente uma mistura das vizinhas baianas Arraial D’Ajuda e Porto Seguro: cheia de gente jovem e festeira, praia (pública) lotada, clima de cidade de médio porte à beira-mar, preços mais baixos para ficar pertinho da praia e muitas opções de resorts (alguns como os de Cancún, porém mais baratos). Não seria a minha escolha, mas, hey, pelo menos você está a poucos metros do mar em qualquer hotel que decidir se hospedar.
Finalizo meu post com uma última crítica ao turismo predatório da região:
A degradação da praia de Akumal
Conhecida por ser onde tartarugas marinhas verdes se concentram durante o ano inteiro, ela deveria ser um lugar lindo (e acima da água, olhando para o mar, ainda é), mas os milhares de turistas descuidados e mal informados encostaram e mataram os corais da praia, destruindo o ambiente natural onde viviam diversas espécies.
Antigamente, Akumal era uma praia cheia de peixes coloridos e vida marinha intensa, com as tartarugas como estrelas do ambiente. Hoje em dia, o fundo do mar mais parece um deserto com poucas algas, coral morto e as pobres tartarugas “pastando” lá embaixo, sob os olhares intrusos de turistas flutuando alguns metros acima com seus snorkels. Elas praticamente precisam pedir licença para conseguir colocar a cabeça para fora sem encostar em nenhum humano (se tiver sorte) e tomar um pouco de ar antes de voltar à areia e às algas lá embaixo.
“Mas eu ouvi dizer que é incrível”: claro, se você estiver preocupado apenas em ver tartarugas, como se o mar fosse um zoológico, realmente é incrível, pois elas são muitas e vem fáceis de encontrar. Mas basta ler os posts positivos sobre Akumal nos blogs de viagem por aí que você vai perceber que até o mais deslumbrado dos turistas tem suas críticas em relação à superexploração predatória da área.
Onde há muita gente junta no mar, há uma tartaruga (ou mais) se alimentando no fundo. Sim, são MUITAS tartarugas, mesmo nessas condições terríveis
É muito fácil encontrar as tartarugas, que estão biologicamente condicionadas a voltar sempre para a mesma praia: basta alugar um snorkel e entrar no mar (que logo fica profundo) e procurar por elas. As tartarugas são uma beleza, mas vê-las naquele ambiente inóspito me deu muita pena e raiva desse turismo sem o menor respeito à vida natural, que é estuprada pelo “livre mercado”. Sem falar que a praia estava, em janeiro de 2015, cheia de construções ruidosíssimas de novos empreendimentos imobiliários (provavelmente diversos resorts) que com certeza degradarão ainda mais o ambiente. Já degradam, pois a poluição sonora com certeza afeta as tartarugas (que aliás são de uma espécie ameaçada de extinção).
Não é um lugar que eu quero voltar de novo, mas ver as tartarugas e o ambiente natural em que elas estão biologicamente forçadas a viver foi uma experiência “choque de realidade” importante. Fiquei sabendo que existem outras praias onde há abundância de tartarugas e a entrada de turistas está proibida – espero que elas continuem assim.
Mas Lívia, eu sempre sonhei em ir pra Cancún pra ficar naqueles resorts de luxo e ser tratada como uma rainha na beira do paraíso
Se você realmente deseja pagar caro por uma viagem que vai te isolar de todo o mundo real à sua volta, que tal hospedar-se em um resort aqui no Brasil mesmo? Não é preciso ir até o México ou nenhum outro país para encontrar praias maravilhosas. Nós estamos no Brasil, terra abençoada com algumas das paisagens mais lindas da Terra!
Com a grana que você vai gastar indo até Cancún e se hospedando nesses resorts caros, dá pra se hospedar em uma pousada charmosa em Fernando de Noronha e nadar com golfinhos por lá (uma viagem que quero muito fazer, mas ainda faltam recur$o$), por exemplo.
Se seu negócio é fazer check-in e não pensar em mais nada, um resort maravilhoso na Costa do Sauípe, se não for o mesmo preço será mais barato e ainda dá pra pagar com cartão de crédito sem medo da flutuação do dólar.
Bom, tendo dito isso, ainda acho que vale muito a pena ir até Yucatán e conhecer suas belezas naturais e culturais únicas!
Só não vá a Cancún.
Depois não diga que eu não avisei.
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Nossa! Você traduziu o que eu penso sobre esse cafoníssimos all inclusive. Acabei de voltar de Tulum (onde me hospedei hum hotelzinho honesto que emprestava bikes) e passei por alguns monstrões desses em Cancun. me senti até oprimida. Nunca entenderei o que leva a pessoa a gastar uma fortuna para não se surpreender com lugar. Adorei o post
Oi Thatiana, nossa, que bom que gostou! Seu comentário me deixou muito feliz <3 Esse post me dá um pouco de apreensão porque vai que alguém quer causar defendendo os resorts, mas tenho o compromisso de escrever o que realmente experimentei e senti nas minhas viagens 🙂
E tem tanto lugar LINDO passando longe desses mega resorts, né? 🙂
Beijos e boas viagens pra nós!
Muito lindo! E nada como pegar uma bike e ir descobrindo (e se supreendendo) com cada pedacinho. Também fui a Oaxaca na festa dos mortos (vi que também fez um post sobre). Simplesmente mágico.
isso mesmo, Tathiana!! <3
Ai, Oaxaca é incrível, né? Dá vontade de largar tudo e ir morar lá hahahahahaha
Moraria lá facilmente! Certamente vou voltar, fui embora melancólica com a certeza de que não tinha aproveitado tudo
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