O que os problemas em viagens me ensinaram

Eu e Angela, canadense que mora em Chegdu, China, durante as festas do Ano Novo Chinês em Hong Kong

 

Um dos motivos que me fazem querer viajar sempre e mais é a quantidade de coisas que aprendo no caminho.

 

Não só a geografia, língua e história dos lugares pra onde vou, mas também é um momento que sou obrigada a exercitar os valores que meus pais me ensinaram durante a minha infância. É nas situações problema que a gente é colocado para exercitar a nossa educação, ânimo, capacidade de contornar dificuldades. E problemas em viagens são inevitáveis! Não que isso seja realmente ruim. “Viver é muito perigoso”, disse Riobaldo diversas vezes em Grande Sertão: Veredas (livro excelente de Guimarães Rosa). É perigoso, mas é bom demais!

Ao viajar, saio da minha zona de conforto, do meu círculo de amigos que já me conhecem e toleram meus defeitos, para chegar “de para-quedas” num grupo novo, numa cultura nova, num lugar onde ninguém me conhece nem entende a minha linguagem corporal. Viajando, preciso ser extra-simpática, extra-educada, extra-atenta a tudo, preciso expressar-me de maneira clara para conseguir o que quero. Não vai ter ninguém que me conhece pra entender minhas loucuras, minha falta de tato, minhas manias.

 

1. Respeito às diferenças

Na China, é educado deixar comida no prato e mostrar que você está tão cheio que não consegue mais comer. Na Noruega, as pessoas raramente dizem “obrigada”, “por favor” e “com licensa”, a amabilidade está na entonação com que elas dizem as palavras. Os muçulmanos e judeus religiosos não comem carne de porco. Os católicos fazem o sinal da cruz quando passam em frente a uma igreja. No interior de Minas, as pessoas “dão uma passadinha” na casa dos outros sem avisar, pra tomar um café e prosear. Em São Paulo, é preciso marcar programas com os amigos com dias de antecedência.

 

Identificar as diferenças culturais dos lugares que visitamos (e dos turistas que dividem quarto/tour/avião conosco também) é fascinante! Pra mim, é uma das razões para cair na estrada! Respeitar as diferenças é parte importante de viajar – e deve ser parte do cotidiano também, é claro.

 

Gabes-Tunisia-Eusouatoa

Eu e a prima da minha amiga Maha, em Gabes, na Tunísia. Ela que colocou o lenço em mim. Fui à Tunísia a convite da Maha, amiga tunisiana muito querida que conheci na Índia. 

 

2. Compreensão

Tá, você respeita as diferenças culturais, mas… e quando não é só uma questão cultural e passa a te afetar diretamente? Tipo quando um mexicano fuma dentro de um lugar fechado. Quando diversos indianos pedem o tempo todo pra tirar fotos com você. Quando o alemão do seu quarto não toma banho há três dias (e dá pra saber pelo cheiro). Quando uma família suíça pega biscoitos que caíram no chão, sopra, come e te oferece um deles. Todos são casos reais, rs.

 

Não precisamos ser como eles nem aceitar todo tipo de comportamento, mas precisamos compreender que nem todo mundo está acostumado às mesmas regras e hábitos que nós. Que eu e você, mesmo compartilhando o mesmo país e a mesma língua, também temos maneiras diferentes de lavar a louça suja, varrer a casa, comer uma coxinha (pela ponta ou pela bunda?). E é preciso aprender a lidar com isso educadamente. Negar com um sorriso, pedir com gentileza ou simplesmente ignorar o que te incomoda.

 

Foi só quando eu entendi que os franceses adoram reclamar, praticam a reclamação como esporte nacional, é que percebi que o problema não era comigo. Eles reclamam e tiram aquele sentimento negativo de dentro deles, (muitas vezes) não guardam mágoa depois. Reclamam da chuva, do sol, do calor, do frio, da fila, da rapidez do caixa do supermercado, do preço da gasolina… Parei de dar bola pras reclamações, falei meus bonjour, merci e au revoir (as únicas coisas que sei falar em francês, rs) e tive uma experiência mais agradável quando estava em Paris.

 

3. Paciência

Esperar faz parte da viagem. Tipo ter que chegar no aeroporto pelo menos 1h antes do voo, fazer fila por uma mesa naquele restaurante super recomendado, respeitar o horário de check-in do hotel, passar o tempo dentro do ônibus/trem/avião/barco de um ponto a outro.

 

Além desses momentos já programados, é fato: ônibus, trens e aviões vão se atrasar, quebrar, entrar em greve. Lojas e restaurantes vão abrir e fechar em horários diferentes do que está escrito no guia. Tours vão se atrasar e podem até ser adiados por causa do mau tempo, das outras pessoas do grupo, da desorganização da agência. É inevitável. E, quando isso acontecer, não há nada a fazer além ter paciência. Até na Alemanha, famosa pela pontualidade de seus trens, eu tive que esperar por 2h na estação de Berlim – os condutores estavam de greve.

 

Dica: viaje com baralho, livro e música para ajudar nessa espera. Se ela é inevitável, que pelo menos seja agradável.

 

4. Flexibilidade

Não vai dar pra seguir o plano? Então refaça o plano! Como as pessoas do país/região que você está resolveriam o seu problema? O que posso fazer durante o tempo que eu tinha reservado pra atividade que não vai rolar? Peça sugestões, avalie possibilidades, escolha a que mais te agrada dentre as opções possíveis (e não as que você tinha planejado que seriam possíveis).

 

Isso serve tanto caso seu hotel tenha perdido sua reserva quanto se seu voo de balão na Capadócia for cancelado em cima da hora por causa da chuva. Minha amiga Luísa esteve na Turquia recentemente e aconteceu exatamente isso com ela. Chato, mas aí ela foi passear pelos vales à pé mesmo – e se divertiu muito!

 

 

 

Guanajuato-Mexico-Eusouatoa

Amigos que fiz em Guanajuato, no México. O Javier (à esquerca) me hospedou por três dias na casa dele, graças a um amigo em comum que nos colocou em contato

 

5. Amabilidade

Quando algum serviço não funciona como deveria, quando algo não acontece como planejado, não adianta gritar, xingar, fazer birra. Comportamentos desagradáveis não vão te ajudar a chegar a lugar algum, não vai resolver nada. Se você for grosseiro e acabar por conseguir um serviço ou compensação, pode ter certeza de que vai ser feito com má vontade (isso quando não cuspirem no seu prato ou deixarem uma “surpresa” no quarto).

 

É muito comum ver turistas dos Estados Unidos tratando as pessoas como se fossem superiores, como se fosse obrigação serví-los e lamber seus sapatos. “Vou te processar” – uma ameaça que pode se tornar fato – mas vai resolver o problema? Vai fazer com que a viagem fique mais agradável? Não.

 

“Desce do salto!”, diria minha mãe. O melhor jeito de lidar com os problemas da vida, viajando ou não, é com amabilidade. A conhecida boa educação. Calma, racionalidade, sorrisos, vontade de resolver o problema junto. Não se esqueça de colocar a amabilidade na mala (e usar!).

 

 

6. Humildade

Chegando num país novo, você não sabe de nada sobre o transporte público, funcionamento das ruas, efetividade das leis, lugares seguros e inseguros para visitar…

 

O viajante é sempre a pessoa mais burra da sala.

 

Você pode até ter lido muito sobre o assunto, mas só a experiência vai te dar a verdadeira dimensão das coisas. Por isso, aprendi a perguntar até mesmo as perguntas que parecem ridículas – e então pude compreender melhor o lugar onde eu estava.

 

7. Simpatia

Você chega em um lugar novo e ninguém te conhece, naturalmente. Mas basta sorrir, cumprimentar pessoas desconhecidas, perguntar suas dúvidas educadamente para alguém, puxar papo no hostel, numa fila, no ônibus, no museu… logo você terá vários amigos – alguns laços vão durar meses, anos, para sempre, outros vão ser esquecidos no momento que vocês se separarem. Acontece, é parte da vida, rs.

 

Ao viajar sozinho, você acaba conhecendo muito mais gente ainda, porque as pessoas puxam papo, querem saber sua história, seus planos de viagem, sua vida – e querem compartilhar a deles também. Por estar sozinho, você está muito mais “vulnerável” a esse tipo de abordagens de desconhecidos – e disposto a fazer o mesmo! Afinal está sozinho e nem sempre isso significa querer a solidão.

 

Munique-Alemanha-Eusouatoa

Um dos 34872465987649876 amigos que fiz no Oktoberfest em Munique, Alemanha. Fui sozinha, mas em momento algum eu brindei sozinha! (não sei de quem era esse chapeu)

 

 

8. Cara-de-pau

Ela vem junto com a simpatia, rs. É essencial deixar a vergonha de lado, o medo do que as pessoas vão pensar, pra conseguir o que você quer: seja uma nova amizade, hospedagem gratuita na casa de um amigo de um amigo, um par pra arriscar os passos de uma dança nova e desconhecida pra você….

 

Minha irmã Marina costuma dizer “50% do que você não tem, é porque você não pediu”.

 

Rigores estatísticos à parte, que mal há em pedir (com educação, claro)? O pior que pode acontecer é você levar um “não” como resposta. Você já tinha a negativa antes de pedir, então…

 

Para mais motivos para viajar (precisa?), acesse:

Razões para largar tudo e viajar pelo mundo

15 lições de vida que aprendi viajando 

Citações de Jack Kerouac para alimentar a fome de viagens

13 dicas de segurança em viagens

Como conheci uma família de beduínos (e fiquei na casa deles). Ou: o poder do SIM

2 comentários em “O que os problemas em viagens me ensinaram”

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