Em outubro de 2015, fui para a Tailândia com ajuda da Peace Revolution, uma organização que promove a paz mundial através de, entre outras ações, retiros de meditação que treina jovens do mundo todo a buscar a paz interna. A ideia é que, ao buscarmos a paz interna, contribuímos também para a paz externa – e ao meditarmos, seja em casa, em um grupo de amigos ou no retiro, criamos uma rede de paz que se estende por todo o planeta. Faz sentido, não faz?
Longe de ser um retiro de silêncio e austeridade, o Global Peace On The Move, nome oficial do retiro de meditação que fui participar, mais parecia uma colônia de férias da meditação, com muitos jovens de todas as origens culturais, sociais e ideológicas (alguns mais tilelês, outros bem pragmáticos), todos engajados na promoção da paz em suas comunidades.
Vou contar um pouco da experiência que tive lá na Tailândia, mas primeiro….
Como participar do programa
Para fazer parte do retiro de meditação, primeiro eu tive que completar um programa de autodesenvolvimento que dura 42 dias, online e gratuito, que me ensinou a meditar com o método da World Peace Initiative Foundation, que sustenta o Peace Revolution.
Os professores são monges budistas (quem melhor para ensinar a meditar do que as pessoas que passam boa parte de seu tempo meditando?) muito simpáticos que vão ensinando o método aos poucos, pra ajudar quem nunca meditou antes.
Não é fácil ficar sentado por uma hora seguida, mas com o passar dos dias o tempo de meditação vai aumentando de 5 minutos até 1h, de maneira a treinar o corpo e a mente a ficarem imóveis durante a prática. Os vídeos e audios do programa têm versão em inglês e espanhol. É usada uma linguagem fácil, pois quem fala são os monges tailandeses que não são tão fluentes nessas línguas! O programa é voltado para iniciantes, mas quem já conhece a prática também aproveita para aprender o método da WPI, que consiste em concentrar a atenção no centro do corpo e ajudar a mente a encontrar a paz interior.
A meditação tem diversos benefícios comprovados cientificamente – e em poucos dias eu consegui sentir muitos deles na prática! No começo, eu mal conseguia ficar de olhos fechados até o final do áudio do monge-professor, mas aos poucos fui melhorando e as pessoas ao meu redor perceberam que eu estava diferente – e eu me sentia diferente! Fiquei bem mais tranquila e confiante, mais tolerante com os erros dos outros e os meus, passei a acordar mais disposta e a me sentir mais descansada com menos horas de sono.
Pra quem diz que não consegue meditar: todo mundo consegue meditar.
Comece tentando ficar parado apenas 5 minutos. Insista. Quando se sentir confortável, aumente o tempo para 10 minutos, 15, 20 e assim por diante. É uma questão de prática, de persistência, de treinamento do cérebro. Não dá pra começar a correr num dia e no outro dia completar uma maratona, por que exigir o mesmo da sua mente?
Além dos áudios, o programa de 42 dias também tem um diário de autodesenvolvimento, onde é preciso responder algumas perguntas e fazer alguns exercícios de autodisciplina. Um Técnico pela Paz, uma pessoa como eu e você, mas que já recebeu o treinamento da Peace Revolution, fica designado a acompanhar seu desenvolvimento no programa, dando dicas, respondendo dúvidas e incentivando a continuar a prática.
Ao final do programa, se você quiser participar do retiro de meditação na Tailândia ou em outro retiro da Peace Revolution, o processo seletivo inclui duas atividades de meditação entre amigos, criadas por você e mediadas online pelos monges, submeter duas propostas de como você poderia continuar promovendo a paz depois do retiro e, finalmente, uma entrevista por skype com alguém da organização.
Eles selecionam os participantes de cada edição do retiro e podem dar até 50% de ajuda de custo na passagem de avião para a Tailândia, dependendo das suas condições financeiras. Chegando lá, tudo está incluído pela organização, desde o momento que o avião pousa no aeroporto até a volta para casa. Não tem pegadinha nem pedido de dinheiro surpresa, é uma organização honesta e realmente engajada na promoção da paz mundial!
Quando fui selecionada, escolhi chegar um pouco antes do dia do retiro e continuar na Tailândia depois, afinal tinha tomado um voo de mais de 30 horas para chegar até lá e queria conhecer mais do país! A organização não vê problema nisso 🙂
Como foi o retiro de meditação
No dia combinado, fui até o aeroporto para pegar uma carona até a sede da World Peace Initiative Foundation, que fica a norte de Bangkok, numa pequena cidade chamada Pathum Thani. Cheguei à PIPO House, uma casa construída para abrigar jovens do mundo todo que vêm à Tailândia para trabalhar e participar dos retiros, e aos poucos foram chegando mais participantes do meu retiro.
Quando já estávamos todos lá, entramos num ônibus e fomos até a ilha Yao Noi, perto de Krabi e Phukhet, onde fica o Santuário de Meditação Mooktawan, construído especificamente para sediar retiros de meditação da WPI. A viagem durou a noite toda, depois pegamos um barco e uns tuktuks para entrarmos no retiro. Não são permitidos celulares nem outras distrações eletrônicas durante os 15 dias de retiro – e não senti falta nenhuma! As fotos desse post foram tiradas pela organização, tem um álbum inteiro delas no facebook. Eles iam postando fotos para mostrar às famílias e amigos o que estava sendo feito lá na ilha.
O cronograma de atividades durante os 15 dias é bem intenso, mas tem vários momentos livres que podem ser usados para conversar com os amigos, meditar sozinho, dormir, passear pelos jardins imensos do santuário (mas não pode sair de lá, sob pena de ser expulso).
Tudo começa com uma meditação matinal, pouco antes do nascer do sol, depois tínhamos aula de ioga (sou péssima, mas o importante é praticar!!), café da manhã delicioso, mais 1h de meditação, um pouco de tempo livre, almoço (também incrível, a comida do retiro era sensacional), tempo livre pra siesta, mais 1h de meditação á tarde, seguida de alguma atividade que variava bastante a cada dia, depois um tempo livre, um lanchinho leve de iogurte, leite de soja e chá (não tem janta porque seguimos as regras dos monges theravada, que só podem comer até o meio dia de acordo com as regras criadas por Buda), e finalmente mais 1h de meditação e uma aula dada por um dos monges-professores.
O método da WPI é baseado em quatro ações externas que podem ajudar a obter a paz interna: limpeza, organização, pontualidade e educação (no sentido de “ser educado”, politeness). Por isso, algumas das atividades que eles propõem incluem limpar e arrumar o nosso próprio quarto, o pátio e até os banheiros do santuário (não que isso seja difícil).
Na verdade, esse retiro era bem “de luxo”, se for comparar com outros! Ficamos hospedados em cabanas lindíssimas de madeira no meio da floresta, tendo que dividir o quarto com apenas uma pessoa (tudo é separado por sexo, então eu dividi com uma mulher, a Juliana, portuguesa que já tinha virado melhor amiga quando nos conhecemos na PIPO House <3). A comida era gostosa e abundante, com opções com e sem carne (monges theravada não são vegetarianos), e, ainda que tívessemos que limpar um pouco,funcionários do santuário faziam toda a limpeza pesada!
O retiro de meditação é totalmente agnóstico, eles não têm o objetivo de converter ninguém e fazem o máximo para incluir participantes de todas as religiões. Isso posto, é ineviável que a gente pergunte sobre o budismo e sobre como é ser monge budista durante as lições. Os monges, em suas aulas noturnas, falam sobre como melhorar as relações pessoais e profissionais, sobre métodos para fazer os pensamentos diminuírem a velocidade e também respondem perguntas sobre as experiências meditativas que estamos tendo durante o retiro.
Com o fim do retiro, de volta à PIPO House (PIPO significa Peace In, Peace Out), fomos estimulados a nos reunir em grupos de afinidade e propor atividades para contribuir com a organização e continuar a rede pela paz em nossos países. Na foto acima, eu tava fazendo o que eu mais gosto de fazer em termos de estratégia digital: dando palpite no site dos outros, hahaha.
MAS como tudo que é feito por humanos e que cresce bastante, não faltam críticas à organização.
A que mais me incomodou durante o retiro é a tal da separação por gênero: não era permitido tocar em pessoas do sexo oposto e eles estavam o tempo todo de olho no que estávamos vestindo de modo a não “atrair” atenções amorosas/sexuais – essa vigília era dirigida especialmente às mulheres, afinal o nosso corpo é muito mais vigiado que o dos homens…. Como se um par de regras fosse impedir alguma coisa, né… E como se só existissem possibilidades amorosas heterossexuais. Ao mesmo tempo que isso era bem chato, foram apenas 15 dias de retiro e não podemos nos esquecer de que estamos na Tailândia, um país onde as mulheres (em especial) são bastante reprimidas e onde quase ninguém usa biquini ou calção na praia (os tailandeses, né, os turistas fazem até topless sem problemas), eu já vi banhistas na cachoeira usando CALÇA JEANS!! Então não é só um problema do retiro… faz parte de um sexismo do país inteiro.
A segunda coisa que me incomodou, sendo espírita acostumada a ajudar em eventos com quase nenhuma grana com o objetivo de ajudar mais pessoas com o mínimo de gastos, era o excesso de “luxo”. Não que fosse luxo de verdade, algo ostantando ouro e pedras preciosas, mas era tudo muito calculadamente simples, aquela simplicidade de quem tem dinheiro (tipo camas de madeira importadas da IKEA e não feitas por um carpinteiro na própria Tailândia, que com certeza sairia mais barato). De onde vem todo o dinheiro que pagou pela nossa viagem?
Voltando à PIPO House, fomos levados a conhecer as dependências da WPI e fiquei impressionada com a grandiosidade dos espaços, do templo com não-sei-quantos budas de ouro dentro, com a sensação de que tinha muito dinheiro envolvido ali e investido em templos mais e mais grandiosos (com a tal aparência de que são simples) numa cidade no meio do nada e de novo me veio a pergunta sobre de onde vem tanta grana. Entendi que a World Peace Initiative Foundation é sustentada por doações de tailandeses (imagino que muitos deles bem ricos) e me incomodou que esse dinheiro seja investido para aumentar ainda mais a força da organização e a quantidade de monges ordenados nos templos da WPI, ao invés do que, ao meu ver, seria melhor: investir em obras para ajudar na melhoria das condições de pobreza da Tailândia. Ok, a meditação é muito importante, mas contribuir na construção de casas para quem não tem teto, investir em educação gratuita de qualidade (na Tailândia até a educação pública é paga), em hospitais em regiões mais pobres, apoiar fazendeiros pequenos, alimentar pessoas que têm fome em regiões mais tensas da Tailândia… isso também ajuda e muito o país a se desenvolver e melhorar.
Enfim, falo sem conhecer tudo, mas fica aqui a minha impressão quando estava fazendo o tour pela WPI: a ênfase na grandiosidade, sendo que Buda negou os bens materiais para viver uma vida simples. Faz parte de ser uma organização grande chefiada por pessoas, com seus defeitos e qualidades, né? Todas têm problemas… e se for uma organização que tem um objetivo tão nobre, a paz mundial, que investe seu dinheiro em levar à Tailândia e ao retiro de meditação gente que nunca poderia viajar de outra maneira, e em treinar mais e mais ativistas engajados na causa, é melhor do que muita organização que se diz religiosa por aí.
Demorei a processar essas críticas dentro de mim e foi por isso que demorei a postar sobre a experiência aqui no blog.
Minha conclusão é que, apesar do que eu acho que a organização não é perfeita, a experiência vale demais e a meditação realmente promove mudanças na vida das pessoas.
Só meditando mesmo pra dar conta do caos político e econômico que estamos vivendo no Brasil – com a mente mais descansada e equilibrada, quem sabe conseguimos dialogar e construir um país melhor para todos?!
Peace In, Peace Out.
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