Chegar no Aeroporto Internacional Suvarnabhumi, em Bangcoc, não é chegar na Tailândia. Ele é higiênico, organizado, silencioso, tecnológico. Estou mesmo na Ásia?
O trem urbano que sai de lá para a cidade também é um brinco de tecnologia: não existe separação entre os vagões, há um circuito interno de televisão, ar condicionado, barreiras anti-suicídio (daquelas que têm portas que só abrem quando o trem está na estação e são do tamanho exato das portas dele). Chegar na Tailândia de verdade é sair da estação de trens e descer na avenida mais próxima.
Aqui, como na Inglaterra, os motoristas dirigem na mão esquerda, mas as semelhanças com o Reino Unido param por aí. Os ônibus param para recolher passageiros no meio da segunda pista de veículos (sim, no meio da rua de verdade). Um amigo estadunidense que vive em Bangcoc há dois anos sempre tem 500 baht (aproximadamente 17 dólares) para o policial que encrencar com o fato de ele conduzir sua moto no passeio – como todo mundo faz. Jovens de 13 anos conduzindo scooters enquanto falam ao celular e com os irmãos menores na garupa são uma visão, se não constante, comum nas cidades pequenas. A luz vermelha dos semáforos só é levada em consideração por quem segue em frente (conversões, para a direita ou esquerda, são livres se o motorista conseguir uma brecha).
Carros, ônibus, motos, caminhões, tuktuks, pessoas, todos disputam o mesmo espaço – frequentemente sem reduzir a velocidade. É um ambiente para os bravos e destemidos, o que inclui os 4 membros de uma família aglomerados em uma scooter.
O transporte de passageiros se dá por skytrain (metrô de superfície que circula em viadutos, longe do caos), ônibus coletivos com e sem ar condicionado, barcos, balsas (na Tailândia, a maioria das cidades está construída entre rios e canais, uma tradição que se mantém desde o começo do reino), táxis, mototáxis e tuktuks.
O icônico tuktuk varia de estilo e tamanho, mas o princípio é o mesmo: um veículo de três rodas movido por um motor de motocicleta. Geralmente o condutor se senta sozinho no que lembra um assento de moto e os passageiros variam entre 1, 2 ou 10, dependendo do tamanho do tuktuk, da força de seu motor e da ganância de seu motorista, que cobra por cabeça e não por corrida. Os pagantes se sentam atrás ou pendurados na lateral – depende de seu nível de aventura e do quão cheio está o veículo.
Em um país cuja renda per capta é US$3.400, dados de 2008, não é de se admirar que 63% da frota seja composta de motocicletas e tuktuks. Seus condutores e passageiros protagonizam 80% dos acidentes e 70% das mortes no trânsito da Tailândia, segundo o relatório regional de segurança de trânsito no sudeste asiático de 2009, da Organização Mundial de Saúde.
Ainda que não hajam estatísticas específicas, os turistas estrangeiros também contribuem para estes números. Em ilhas paradisíacas do sul e nas montanhas apaixonantes do norte da Tailândia, o aluguel de motocicletas automáticas é barato (200 baht, ou menos de sete dólares por dia) e fácil. Ninguém pede qualquer tipo de carteira de motorista, basta responder “sim” à pergunta retórica “you know how to drive, right?” e sair da loja com alguma convicção sobre as duas rodas alugadas.
A Tailândia mantém o triste primeiro lugar em acidentes fatais de trânsito no sudeste asiático: 24,5 mortes a cada 100.000 habitantes, 16.240 em 2007. Em quantidade, ela só está atrás da Índia (1º lugar incontestável, com 105.725 óbitos em 2007, mas uma população muito maior, o que faz a proporção ser de 16,8 a cada 100.000 habitantes) e Indonésia (16.548 vítimas fatais em 2007).
Em um congestionamento em Bangkok, em uma estrada tortuosa nas montanhas do norte ou em um caminho de terra no sul, não é difícil entender o porquê. O capacete, ainda que obrigatório para, só é usado por 27% da população segundo o relatório “Behavioral risk factor surveillance system” de 2005, da OMS. O mesmo relatório revela que apenas 56% dos ocupantes dos bancos dianteiros dos carros usam cinto de segurança (não existe lei obrigando seu uso no banco traseiro). O limite nacional de velocidade nas cidades é 80km/h, mas a OMS considerou o controle policial fraco – apenas 2 em uma escala de 0 a 10.
É por isso que a primeira regra instintiva que adotei quando desci a passarela do trem em Bangcoc, e que me acompanha por todo o sudeste asiático, foi: na dúvida de qual é o momento certo atravessar a rua (e na falta de uma passarela), faça tudo que a velhinha curvada que usa óculos e bengala que está ao seu lado fizer. Ela já está escolada no trânsito local e sobreviveu até agora. Ela sabe o que fazer.
*Este texto foi escrito para a Revista Autoesporte em 2012 e nunca publicado no papel (nem online, até agora)*
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