A Laura Capanema é uma fotógrafa de viagens maravilhosa e no final de 2013 fez uma viagem épica para Cuba, ainda nos tempos em que os estadunidenses não podiam entrar sem fazer maracutaia e era bem mais difícil encontrar informações sobre a ilha. Para ajudar os amigos a viajar pra Cuba também, ela escreveu um longo e ótimo email que agora está sendo publicado aqui no blog, para que suas palavras se espalhem mais e mais! As informações têm alguns anos, mas Cuba avança lentamente e as dicas dela ainda valem (e muito) para ajudar você a montar seu roteiro.
Cuba nunca esteve tanto na moda e tem muita gente indo pra lá hoje em dia (para o bem e para o mal, né). Está bem mais fácil se informar agora do que em 2013 e, ainda que seja uma ilha onde as mudanças chegam devagar, a partir de agora tudo vai mudar mais rápido. É por isso que tem que ir logo! Vamos viajar pra Cuba?!
Eu já estou aqui economizando meus dinheiros pra ir, e você? Depois desse email da Laura, vai estar procurando promos de passagem também 🙂
Primeiramente, uma introdução que a Laura escreveu quando Fidel morreu:
2016: Adiós, Fidel
Cuba é um lugar de janelas e portas abertas.
Nunca consegui defini-la de outra maneira, apesar da enorme contradição.
(quem já foi, vai entender)
Cuba, segundo o próprio Cristóvão Colombo, é o lugar mais lindo da Terra. Mas tem uma história dura demais, e é impossível traduzi-la. Não dá para ser simplista. São muitos paradoxos que apertam e desconcertam.
Ali a beleza sedutora divide espaço com a decadência, a iconografia revolucionária, a história mantida em compota. Mesmo com todas as mudanças recentes, a sensação de estar lá é diferente de qualquer outro lugar. E sempre vai ser assim, acho.
Há três anos, passei quase um mês na Ilha. Eu tenho muito muito carinho por essas fotos (foi a primeira vez que eu me arrisquei com uma câmera profissional, na época eu não entedia metade de suas funções e não fazia ideia do que era tratamento de imagem), mas tenho certeza que foi ali, vendo tantas cores, olhares e expressões singulares, que eu aprendi um monte sobre fotografia – e nunca mais parei de querer aprender.
Em Cuba eu entendi também que a entrega é necessária para avigorar uma experiência. E que depois que você entende isso, sabe que é um caminho sem volta.
Por falar em volta, há quem volte com muitas certezas. Eu voltei cheia de dúvidas.
Mas essa temporada cubana foi um jato de inspiração: virou matéria, virou texto, virou ensaio, virou amizade, transbordou um amor, virou um e-mail histórico com um compilado de dicas muito legais que eu sigo disparando para os amigos que estão indo para lá (quem mais quiser, pode me pedir). Até hoje recebo perguntas e mensagens sobre todos esses desdobramentos. É um prazer imenso compartilhar tudo, sempre.
Eu só queria aproveitar o dia de hoje para transbordar essa experiência.
Não quero falar nada sobre Fidel – sua luta transcende qualquer esquina de Havana e seu legado deixa infinitas interpretações. Mas vale dizer que taí um cara que foi gigante, do tamanho do mundo. E vale dizer também que tenho muito respeito e admiração pela sua história, e que sua biografia é uma das coisas mais interessantes e fascinantes que eu já li (empresto com muito carinho para quem quiser ler também).
Hasta siempre, comandante.
Email de viagem: Cuba Linda!
Havana
Ficamos em uma casa em Habana Vieja, no charmosinho Paseo Del Prado, que é uma praça que também funciona como um canteiro central alongado. Nossa casa era antigona com pé-direito alto, linda demais. Por dentro faltavam janelas e ventilações (e mais um monte de coisas), mas tava bem OK para o preço que a gente pagou (30 CUC). Os donos eram queridos, faziam café da manhã pra gente todos os dias com muitas bananas (e depois tinha banana com arroz no almoço e banana com legumes no jantar). Cada refeição custava 7 CUC. Foi tudo super tranquilo e seguro.
Aliás, me senti segura o tempo inteiro em Cuba, parece que existe uma espécie de proteção aos turistas por parte do governo mesmo, já que é a principal fonte de renda do país (e em dois dias por lá dá pra entender beeeem, que a coisa funciona assim mesmo). É uma segurança que facilita a vida: a gente saía tipo 11 da noite com a câmera no pescoço e era isso aí. E eles se orgulham muito disso, fato: viviam me falando, “No hay violencia, no hay violencia”. Realmente, eu não vi nada. Nada mesmo, em nenhum lugar.
Se perca nas calles de Habana Vieja, entre nos botecos sujos e compre cerveja cubana com pesos cubanos, que sai muuuuuito mais barato que a cerveja que eles vendem para turistas em CUC.
Caminhe por toda a Habana Vieja e vá para todas as 4 plazas, são todas impressionantes. Em uma dessas plazas (acho que na Plaza da Catedral), tem uma ruazinha sem saída. Lá, eu conheci um atelier do pintor Raimundo Orozco. Vale super a pena entrar para conhecê-lo (são mil histórias do tempo da revolução). Comprei 2 quadros pequenos para a minha mãe (era a cara dela), mas se pudesse, teria levado vários! 😉
Nos encantamos com um bar que fica no final da Calle Obispo (em direção ao Capitolio), que chama Montserrat. Músicos ótimos, frozen daiquiri refrescante e perfeito para enfrentar o calor cubano. Fomos lá algumas vezes.
Ah, Cuba é inteira muito musical. Sempre tem alguém cantando e tocando pelas esquinas. Poucos usam microfones (mesmo nas apresentações “mais profissionais” de alguns bares): a coisa lá é no gogó mesmo. E isso é foda.
Bem em frente ao Monserrat tem um outro bar que eu esqueci o nome, mas no mesmo estilo pé-sujo, onde Fidel e Che tomaram vários mojitos juntos. É um bar espanhol, bem agradável também.
Por falar na Calle Obispo: a mais movimentada e, por consequência, a mais turística da cidade inteira, quiçá do país. Vale o passeio, vale sim conhecer os bares e os restaurantes e ouvir uma boa (e clássica) música cubana. Mas, no geral, os mojitos de lá não são bons e os preços são fora do padrão. No final dela tem uma feirinha de livros usados que é genial, tem vários pôsteres de filmes antigos, muitas serigrafias originais. Comprei um pôster de um filme cubano muito lindo que fica na sala da minha casa (e todo mundo pergunta de onde veio). Depois, no final da viagem, voltei e arrematei mais um do festival de cinema latino-americano desenhado pelo Ziraldo – uma peça bem rara mesmo. Enfim, há várias relíquias interessantes lá nesse lugar, vale fuxicar bem.
El Boteguita Del Medio: é um clááássico de Havana, o bar mais famoso da cidade. Nas paredes tem fotos do Lula e de um monte de brasileiros que já foram lá. Ainda assim, mesmo sendo mega turístico e com cara de esquemão-montado-pra-você, é demais! Sempre tem música ao vivo com bongô e maracas, o ambiente tem as paredes todas escritas com canetas (deixei meu nome lá bem grande no 3º andar, vê se você acha). Foi onde o mojito foi “inventado” e é famoso pela comida criolla também (arroz, feijão, carne de porco). Achei a comida muito sem tempero e não gostei muito, mas o Dri amou e queria voltar lá todos os dias, rs.
Choperia: na Plaza Vieja tem uma choperia artesanal muito boa. Quem indicou para a gente foi um amigo que mora lá, ou seja, super dica local! Pegue uma mesa, sente-se na rua, peça o chope claro e/ou escuro que vem num funil gigante que eles colocam na mesa e…seja feliz! Fui lá duas vezes, é uma delícia e ainda tem música ao vivo de vez em quando.
Café Literário: fica em Vedado, mas é um lugar onde pode-se beber pagando pesos cubanos. Tem um clima cool, é onde os jovens da universidade se encontram. Meio pé-sujo, mas é isso aí (acho que tem indicação disso no Lonely Planet também, mas a gente conheceu por causa desse amigo que mora lá e vendeu a ideia de que “ninguém conhecia”). O melhor mojito que eu tomei foi aqui e custou incríveis 10 pesos cubanos (ou seja, centavos de dólar).
Malecón: ande desde o forte, o passeio é lindo. Fui até a calle 23, onde tem a Coppelia (aquela do filme Fresa y Chocolate), a tal sorveteria comuna. Sente, tome várias bolas de sorvetes (que não é nada de mais) e se delicie com o povo, com as conversas, com o clima. Ah, não se assuste com a quantidade de sorvete que comem! Ô gente que ama sorvete. Eu costumava tomar sorvete todo dia das portinhas que aparecem subitamente nas ruas (na Calle Obispo mesmo tem um monte). Sai por 3 pesos cubanos a bola (ou seja, nada). É um sorvete aguado e esquisito, mas tem uns que são melhores que os outros e é tão barato que… sei lá, vale demais, refresca muito. Ah, dizem que eles fazem com água suja (porque lá filtro é artigo de luxo), e que alguns turistas passam mal e tal. Mas eu tomei todo dia e nunca cheguei nem perto de passar mal. Aliás, não tive problema nenhum com comida lá! Mas vi muita gente que teve que ir pro hospital. Logo, isso aí vai de cada um. É bom ficar atento e levar uns remedinhos.
Aliás, o único problema que eu tive foi uma dor de cabeça bizarra, mas acho que era mistura do calor, desidratação, etc).
Ah, vale ir na Malecón de noite também, impressionante como fica LOTADA, impressionante como os cubanos fazem uso dos espaços públicos à noite! (de fato as pessoas ocupam a cidade mesmo, estão sempre fora de casa, todas as janelas e portas vivem abertas com cadeiras de balanço do lado de fora, todos os dias com cara de domingo). Inclusive, no fim da viagem, a gente resumiu Havana assim: um lugar de portas e janelas abertas.
Vá até a Plaza de la Revolución, tire as fotos clássicas e volte à cidade de CocoTaxi ou BiciTaxi — é uma experiência.
Outra coisa legal que a gente fez foi ter alugado um carro conversível um dia por 2 horas. Na verdade, vem com motorista junto, mas pagamos 25 CUCs (tem que negociar) para poder dar uma volta na cidade com o mapa na mão. A gente mostrou para o motorista os lugares mais afastados que queríamos ir e ele nos levou em tudo — em Vedado, no cemitério gigante (é lindo!), num bosque mais distante, na rua onde mora o pessoal que trabalhava para o Raúl e o Fidel, na praça do John Lennon.
Vale muito para sair da parte turística e ver as casas e a arquitetura da cidade como um todo. Existe um mundo inteiro para além de Havana Vieja e tem que ir lá ver isso de perto. É muito diferente de tudo que a gente vê por aí no mundo. Parece mesmo que estamos em uma cidade dos anos 1950. E tem umas partes que lembram Miami (mesmo), aquela Miami dos predinhos art déco. Dá para imaginar bem o que era a Cuba pré-revolução. Eu amei!
Museus em Havana:
Museo Nacional de Bellas Artes: eu fui, mas estava passando meio mal e não consegui aproveitar. Mas o Dri amou a visita e disse que vale muito, principalmente no lado de arte cubana (porque são 2 prédios).
Museo de la Revolución: apesar de simples e bem maltratado, eu pirei nas histórias. Gostei muito de ter ido. A visão dos caras sobre tudo é outra coisa.
Onde comer:
Restaurante El Templete: restaurante mais caro, comida boa, ótima opção quando não se aguenta mais os restaurantes-comunas.
La Guarida: TEM QUE IR!!! O restaurante mais impressionante da Ilha toda. Eu não tava dando nada por ele (porque é super turístico e cheio de menções no Lonely Planet e etc), mas ainda sim é aquele lugar com cara de achado, sabe? É um prédio abandonado, quase em escombros, MUITO impressionante. Foi cenário do filme Fresa y Chocolate e ficou famoso por isso também. Lá em cima é tudo à meia-luz, parece uma casinha mal assombrada de uma vovó chique. A comida é bem boa também (mas não é barata). Tem que ir e tirar fotos, principalmente no saguão do prédio onde as roupas ficam penduradas no varal… é um lugar maluco. No dia seguinte a gente voltou lá só para fotografar (porque quando fomos jantar não tínhamos levado a câmera). Ah, tem que reservar, impreterivelmente.
Nunca esqueço que as pessoas mais descoladas que vi em toda Cuba estavam lá, sentadas numa mesa ao nosso lado Umas mulheres maravilhosas de cabelo verde, uns caras de óculos Matrix, umas pessoas que eu não sabia de onde tinham surgido. E, ao mesmo tempo, eram muito familiares, muito latinas. Vibe boa!
Vale ir para o Barrio Chino para comer, tem um restaurante que tem uma foto histórica, do Fidel e do Che comendo de palitinho.
Na mesma ruazinha do tal atelier do Orozco (início do e-mail), tem um paladar bem bom (e também com cara de casa da vovó chique), o Dona Eutímia (uma coisa assim, esqueci o nome), super indico.
Sair e beber:
Jazz Club La Zorra y el Cuervo: para quem gosta de jazz, é imperdível.
Bar do Buena Vista Social Club: não fomos, mas dizem que é legal e que nem é tanto pegadinha de turista, porque é uma noite super animada (a gente tava meio devagar na noite e aproveitou muito mais o dia!).
Viñales
Eu gostei médio, não sei se recomendo para quem tem poucos dias em Cuba. O que mais valeu a pena aqui foi a relação que tivemos com a família que nos hospedou (muito, muito, muito fofos!). Se for, procura pela casa da Yamille y Pechano, lá há poucas casas e todo mundo conhece todo mundo. Pegamos uma mega chuva e passamos um dia inteiro dentro de casa com eles, conversando, experimentando charutões e assistindo jogos de futebol na TV (era época da Copa das Confederações). Eles sabem tudo de futebol. No dia de ir embora eu até dei uma choradinha, porque fiquei bem apegada, foi especial mesmo.
Aqui basicamente a boa é descansar, ir numa praia que tem lá perto um dia (Cayo Levisa, é LINDA, mas pegamos muita chuva de novo, passamos a tarde toda dentro de um bar jogando baralho com um casal da Suécia, que acabaram virando amigos, saímos com eles umas duas vezes depois, queridos demais), fazer o passeio de cavalo para ver as plantações de tabaco (a paisagem não é bonita e só vale se você tiver realmente interessado em entender essa coisa dos charutos…), alugar uma bicicleta e ficar dando voltas pela cidade (delícia). De noite rola uns shows ao vivo na pracinha que são divertidos e tem uma tenda que faz Piña Colada na hora com leite em pó…e por pesos cubanos, é o drink mais gostoso que eu tomei lá!
Trinidad
Lugar bem diferente de Havana. Uma mistura de Paraty com Ouro Preto. Ruazinhas de paralelepípedo, casinhas coloridas, senhores com idades indecifráveis jogando xadrez e dominó nas portas das casas, paladares em todas as esquinas, música boa sempre. E todas as pessoas na porta de casa mesmo, todas as janelas abertas, cidade de interior total! (Como já disse, Havana tem essa mesma vibe, é uma das coisas mais gostosas de Cuba…as pessoas estão sempre mais “fora” do que dentro. Sempre).
Casa de la Trova: música ao vivo e muitos dançarinos. Delícia de lugar. Também há um escadão, ao lado da Catedral, que eles chamam de Casa da Música, onde sempre tem música ao vivo. Ver o pôr do sol lá é ótimo.
O museu da cidade (esqueci o nome dele) tem um mirante com uma vista linda também. Tem que ir.
Playa Ancón: praia médio bonita e bem perto da cidade. Dá para ir de táxi, cocotaxi, bike… (o legal aqui é ver os cubanos na praia, com garrafa de rum, etc. Porque nas outras de resort é praticamente só turista, né!).
Tem muitos passeios a parques próximos a Trinidad, onde tem várias cachoeiras.
Se quiser levar lembrancinhas de Cuba, aqui é o lugar, há feirinhas durante o dia e algumas lojas a noite. Não precisa visitar muitas barraquinhas para entender o que tem, apesar do tamanho das feiras, as ofertas são sempre as mesmas…rs
Cayo Guillermo
Esquece Varadero (que é uó) e vai pra essa ilha. Foda.
Ficamos no Hotel Sol Cayo Guillermo que era meio x, mas melhor que a média de lá, vale para experimentar a experiência do resort cubano pelo menos por dois dias em uma praia que seja mais bonita e mais legal. Essa praia aqui é bonita DEMAIS, absurda. Pirei mil vezes. A Playa Ancón era a praia preferida do Hemingway…(e, de fato, quem ia discutir com ele?).
Esse esquema all-inclusive em Cuba é assim: você começa com um mojito, almoça um mojito e seis da tarde já está…mojito! hahaha.
Na verdade você acorda em dúvida se vai no mojito, na cuba libre ou na cerveja. Eu ia sempre na Bucanero, a cerveja local (esses drinks me enjoam um pouco no geral).
Ficamos 2 dias, mas, se eu soubesse, teria me planejado para ficar mais 1.
Cuba, te quiero
Acho que é isso… Tem mais milhares de coisas, mas vc vai descobrir tudo por lá.
É uma viagem rica sobretudo de histórias e experiências. Foi lindo vivenciar um pouquinho da realidade deles e escutar diversos pontos de vista sobre vida, economia, sistema, educação, saúde, família, religião.
Achei muito importante ter lido muito coisa sobre o país antes de embarcar. Minha experiência foi outra exatamente porque eu já tava super contextualizada. Tem mil livros bons, indico muito A Ilha (do Fernando Moraes, o original é da década de 1980, mas tem uma versão atualizada dos anos 2000, tem em vários sebos), a Trilogia Suja de Havana (outro clássico), a biografia do Fidel (qualquer uma delas, tem que ler, a história dele é muito foda).
Aproveite para conversar com todo mundo: taxista, o cara da casa que você ficar, a pessoa da agência, o senhor que joga xadrez, o motorista do cocotaxi, o cara do cavalo, a moça que servir o café, etc. Rolam alguns golpes e eles pedem dinheiro o tempo todo, mas com o tempo você vai aprender a sair fora dessas ciladas. Mas só indo lá para entender como tudo funciona mesmo. Eu caí num golpe absurdo de um casal que pediu um mojito na nossa conta num bar e fugiu, deixou a gente com a conta pra pagar na tora. Fica esperto com esse povo puxando papo do além e querendo te levar pra beber num bar…. é um clássico de lá.
Mas é isso. Saudades demais de Cuba.
Tenho certeza que você vai embora querendo voltar.
🙂